31 de maio de 2008

Tenor do samba: 40 anos depois

Aveludada, grave, um baixo profundo: nem uma infinidade de adjetivos seria suficiente para definir com precisão a voz de Noriel Vilela. O carioca, que começou a carreira com o grupo Nilo Amaro e os Cantores de Ébano, morreu em 1975 e deixou apenas um disco, Eis o Ôme (Copacabana, 1968). Quarenta anos depois do lançamento, sua música continua conquistando fãs e seu vozeirão aparece com freqüência em comerciais, vinhetas de televisão e trilhas sonoras.

Aonoriel Vilela de Arantes (seu nome de batismo) gravou seu primeiro e único LP com forte influência afro. A cultura de umbanda e os causos do terreiro tomam conta das letras divertidas, revestidas pelo balanço que influenciou os grandes bambas do samba-rock. Em outras palavras, o legítimo samba de preto-velho. Destaque para as ótimas Saudosa Bahia, Promessado e a faixa-título, sempre com o tom de voz marcante e inimitável.

“E enquanto Noriel ‘espichava’ até um metro e oitenta e três, a voz descia até um fá natural profundo e aveludado, que ecoava nas serestas das noites de sábado e nas festinhas eventuais”, descreve Malu Rodrigues no texto de contracapa do LP. O disco único de Noriel foi lançado em CD pela EMI, dentro da série Odeon 100 anos – organizada pelo músico Charles Gavin. A carreira do tenor do samba foi abreviada por uma morte trágica, no dia 20 de janeiro de 1975. Diabético, Noriel sofreu uma hemorragia ao arrancar um dente e não resistiu.

A música mais famosa do intérprete, Dezesseis Toneladas, não está incluída no álbum. Versão em português para Sixteen Tons (de Ernie Ford e Merle Travis, um clássico do folk americano), a canção em nada lembra a atmosfera umbandista de Eis o Ôme. Mas, através de Dezesseis Toneladas (regravada por Clube do Balanço e Funk Como Le Gusta), a obra de Noriel se tornou conhecida entre a nova geração.

Curiosidade
Cheia de “malandragem”, a letra de Sixteen Tons foi totalmente alterada na versão brasileira. Composta em 1947, a música contava o sofrimento dos trabalhadores nas minas de carvão. Como muitos músicos folk eram considerados comunistas, agentes do FBI proibiram a execução do hit nas emissoras de rádio.

29 de maio de 2008

Relíquia inédita

Só no piratão. É o único jeito de obter uma cópia do documentário Novos Baianos F. C., gravado há 35 anos para uma emissora de TV alemã e que permanece inédito até hoje no Brasil. Em quase duas horas de filme, Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Baby Consuelo e companhia são flagrados em ações cotidianas, jogando futebol, cuidando de crianças e, claro, fazendo música. É um retrato fiel do estilo riponga do qual os baianos eram um ícone no começo dos anos 70.

O filme rendeu ao diretor, Solano Ribeiro, uma premiação no Festival Europeu de Televisão, realizado na Áustria. O produtor é conhecido como o idealizador dos famosos festivais de música popular brasileira da TV Record. Entre outros artistas, lançou Elis Regina, Nara Leão, Chico Buarque, Tom Zé, Mutantes e Raul Seixas. Recentemente, o próprio Solano se mostrou chateado com o destino do filme, hoje encontrado apenas em cópias piratas e downloads pela internet. Visando mudar essa história, ele já chegou a cogitar novas exibições públicas da película em casas de cinema.

A interpretação de Mistério do Planeta, obra-prima do disco Acabou Chorare (1972), foi gravada no sítio Cantinho do Vovô, em Jacarepaguá. Com take único e sem cortes, o câmera brinca com o humor oscilante e a malandragem de Paulinho Boca de Cantor. Desempenho notável de Pepeu, na guitarra, e Moraes, no violão. Imperdível.

27 de maio de 2008

Como nos velhos tempos

Os fãs gaúchos do The Cure que aguardam a confirmação da banda em Porto Alegre (será?) podem matar a saudade dos ingleses com o novo single. Lançada no dia 13, a animada The Only One lembra o Robert Smith dos velhos tempos, com pouca ou nenhuma semelhança com os últimos trabalhos do grupo, marcados pela melancolia.



The Only One é o primeiro single do novo álbum, que será duplo. Outra inédita, NY Trip, está no lado B. O lançamento oficial do disco será no dia 13 de setembro. Até lá, sairão quatro singles, lançados nos dias 13 de junho, 13 de julho e 13 de agosto. Coincidência nas datas? Não. O novo disco, ainda sem nome, será o 13º da carreira da banda. Marketing é isso aí!

24 de maio de 2008

Festa pós-punk

A Opinião Produtora confirmou a volta dos ingleses do Echo & The Bunnymen a Porto Alegre. A banda de Liverpool fará sua quarta apresentação na Capital, desta vez no Bar Opinião, no dia 3 de julho. A turnê nacional inclui São Paulo (2) e Curitiba (4).

O Echo & The Bunnymen é um caso raro de banda que mantém a verve criativa depois de décadas na estrada. Seu último disco, Siberia, de 2006, é a maior prova disso. Ian McCulloch e Will Sergeant levam o ouvinte a uma atmosfera ao mesmo tempo nostálgica e contemporânea. Festiva em alguns momentos (Stormy Weather) e sombria em outros, como sugere a capa do CD. Tente não lembrar do gelo seco dos anos 80 ao ouvir o riff de Of a Life - que só poderia ser obra de Sergeant.

E já que o assunto é pós-punk, outro peso pesado do gênero está confirmado na Capital gaúcha. Siouxsie & The Banshees se apresentam em 18 de setembro, também no Opinião. Agora só resta aguardar para que o The Cure inclua Porto Alegre em sua turnê pela América do Sul.

17 de maio de 2008

Depois não é como antes

É difícil não se aborrecer com a nova música dos Mutantes, gravada com uma formação muito diferente da do ano passado - já sem Arnaldo Baptista e Zélia Duncan. Não que Mutantes Depois - uma balada acústica de letra autobiográfica - seja ruim. Mas falta alguma coisa (e olha que nem estou pensando em Rita Lee...). Como não gostar dos Mutantes é quase uma heresia, prefiro ficar com as boas lembranças. E, ao ouvir Mutantes Depois, me lembrei do que estava fazendo há exatamente um ano.

Recordo bem daquele 26 de maio. Eu era um dos 1,5 mil espectadores no Teatro do Sesi (longe uma barbaridade! Foram 35 reais de táxi pra ir e 35 pra voltar). Na viagem de ida, o motorista uruguaio me disse três coisas que seriam bastante úteis em minha vida: didática, dialética... e a outra eu não me lembro. Fiquei pensando se aquilo teria alguma relação com o show que eu veria em seguida. Mas não tinha nada a ver. Bom, os Mutantes entram no palco e na platéia todos estão sentados. Afinal, o Teatro do Sesi, acostumado a atrações de teatro e MPB, dispunha de confortáveis poltronas. Mas na segunda música, uma multidão já estava de pé em frente ao palco. Foram duas horas de puro rock and roll, com Sérgio Dias e Arnaldo Baptista esbanjando vitalidade. E Zélia no papel de coadjuvante que lhe cabia.
Em texto da última edição da Rolling Stone, Artur Tavares afirma que o guitarrista Sérgio Dias passou a carregar nas costas a marca Mutantes e questiona se ele conseguirá fazer jus a ela. Ora, para responder basta voltar no tempo. Os Mutantes são o que são pelo que fizeram entre 1968 e 1971. Ou seja, rock irreverente em sintonia com o melhor da cena psicodélica e com ritmos regionais ao mesmo tempo. É tudo o que Sérgio Dias não fez na fase progressiva, quando lançou dois discos cheios de músicas longas e chatas (Tudo Foi Feito Pelo Sol e Ao Vivo, de 1974 e 1976 respectivamente) sem Arnaldo e Rita. E é tudo que continua sem fazer agora.

Na entrevista coletiva de lançamento de nova formação, Sérgio Dias deu a entender que os novos Mutantes poderão gravar outras inéditas. "Estamos lançando essa música (Mutantes Depois) para mostrar para vocês para onde estamos indo, e qual é o nosso rumo, nosso horizonte", disse. Talento ele tem de sobra. Mas não faria mal a ninguém se Sérgio (vocal e guitarra), Dinho Leme (bateria), Bia Mendes (voz), Fabio Recco (voz), Vinicius Junqueira (baixo), Henrique Peters (teclado, flauta e voz), Vitor Trida (teclado, guitarra, violão, flauta e voz) e Simone Soul (percussão) se apresentassem com outro nome.

14 de maio de 2008

Pelo prazer de tocar

Fãs do The Verve terão de esperar até o início de 2009 pelo próximo álbum dos ingleses. A banda, que anunciou o seu retorno com a formação original após oito anos, já incorporou algumas músicas novas aos shows. Entre elas a dançante Sit and Wonder, com batida hipnótica, candidata a hit. Completam o tracklist Mona Lisa, Judas, Appalachian Springs e Rather Be.

Um aperitivo para o disco novo foi divulgado sob o nome de Thaw Session. São 14 minutos de um ensaio do grupo disponibilizados na internet. A volta da banda foi anunciada no ano passado em entrevista à NME. "Nós decidimos tudo, que, em vez de um encontro para uma xícara de café ou uma cerveja ou outra coisa qualquer, resolvemos nos reunir em um estúdio onde poderíamos fazer aquilo que gostamos", disse o vocalista Richard Ashcroft. De acordo com o baixista Simon Jones, o trabalho em estúdio vai muito bem e antes do final do ano a banda deve passar um bom tempo só selecionando o que vai efetivamente entrar no álbum.

Em pouquíssimo tempo, o The Verve foi do céu ao inferno. Em 1997, os britânicos conheceram o seu auge com o álbum Urban Hymns, que trazia o mega hit Bitter Sweet Symphony (com um dos clipes mais inspirados da década passada). Mas, em 1999, desavenças internas, principalmente entre o vocalista e o guitarrista Nick McCabe, problemas contratuais e envolvimento com drogas, acabaram ocasionando a separação prematura. Agora, os ingleses afirmam voltar "pelo prazer de tocar".

13 de maio de 2008

Tributo ao Tremendão

Criado por Pablo Peixoto e Guto Almeida, o Projeto Tremendão surgiu em 2007. O objetivo era reunir bandas novas que interpretassem o lado mais desconhecido do repertório de Erasmo Carlos, em especial as músicas lançadas na década de 1970. Cada banda gravou sua canção preferida e o resultado está no ar. E o melhor: todas as versões podem ser ouvidas gratuitamente no site do projeto.

A iniciativa tem apenas fins culturais e recreativos. Seu principal intuito é aproximar as gerações mais novas da riqueza da música pop brasileira do século passado. Tanto que nenhuma banda recebeu cachê para as gravações. Entre os artistas estão grupos conhecidos da cena underground, como Reino Fundi e Caracóis Psicodélicos.

Mas a homenagem mais explícita ao Tremendão está no nome de um dos participantes: The Erasmo Carlos Project. Seus integrantes, quatro músicos de diferentes bandas, todos de Santa Catarina, são apaixonados pela Jovem Guarda e pela fase psicodélica dos grandes artistas brasileiros da época. Depois de gravar É Preciso Dar um Jeito Meio Amigo, do obscuro e genial Carlos, Erasmo (1971), os catarinenses pretendem se reunir novamente para um show só com versões dos grandes clássicos nacionais dos anos 1960. O Erasmo Carlos Project é Rafael Weiss (vocal e guitarra), Sergey Ramirez Schutz (guitarra), Leonardo Batata (baixo) e Tschesco (bateria).


Confira o playlist do Projeto Tremendão:

Sentado à Beira do Caminho - Dramaphones
De noite na Cama - Andé Katz
Para o Diabo os Conselhos de Vocês - Caracóis Psicodélicos
Meu Mar - Reino Fungi
Bom Dia Rock'n Roll - Robert Moura
É Preciso Dar um Jeito meu Amigo - The Erasmo Carlos Project
Sou Uma Criança e Não Entendo Nada - Comodoro Truffaut
Dois Animais na Selva da Rua - Malachai

12 de maio de 2008

Nada de novo (ainda bem!)

A julgar pelo nome do novo álbum - que não tem nome -, pouca coisa mudou no Weezer. O que não chega a ser ruim. O novo single, Porks and Beans, é um pop animado que, pra variar, explode no refrão. Os fãs gostaram tanto do som que os californianos decidiram antecipar o lançamento do novo CD em um semana.

Assim como dois de seus discos anteriores (blue e green album), o próximo trabalho do Weezer será conhecido pela cor. O red album tem lançamento oficial previsto para 3 de junho, embora já esteja pronto há bem mais tempo - desde o ano passado, segundo o site da banda. "Pessoalmente, acho que é o nosso melhor trabalho", acredita o guitarrista Brian Bell. "Nunca nós quatro trabalhamos tanto e tão apaixonadamente em um álbum e todos esperamos ansiosamente mostrar esse auge dos nossos talentos em 2008, em uma cidade perto de você", brinca. Vem coisa boa por aí!

11 de maio de 2008

Viagem ácida

Quando perguntado sobre a sonoridade do sétimo álbum do Oasis, Noel Gallagher respondeu que será algo entre Be Here Now e Don't Believe the Truth. Será o primeiro lançamento dos ingleses pela nova gravadora, a Universal. Será o último trabalho do baterista Zak Starkey com o grupo, depois de ele ter anunciado sua saída da banda por discutir com Noel.

Ao que tudo indica, os irmãos Noel e Liam andam satisfeitos com a nova casa. Eles dizem que o apoio promocional é maior do que durante os anos na Sony. O título do novo CD ainda não foi revelado, mas já se sabe da inclusão de cinco músicas: a pré-lançada Lord Don´t Slow Me Down, The Boy With the Blue Eyes, A Sad Day in the World, I Wanna Live in a Dream in My Record Machine e Stop the Clocks. As duas últimas, segundo Noel, dão o tom do álbum, e provavelmente serão usadas na abertura e no fechamento. Em uma palavra, ele descreveu o disco como “psicodélico” e disse que as suas músicas levam o ouvinte a “uma viagem ácida sem o ácido”.



Enquanto a bolacha não sai do forno, confira uma prévia:


10 de maio de 2008

John Mayall no Teatro do Sesi

Ele é um dos únicos brancos que podem ser chamados de mestre do blues. E, no próximo dia 20, estará em Porto Alegre. Depois de Johnny Rivers e da confirmação do show de Chuck Berry, mais um medalhão do rock irá se apresentar no Rio Grande do Sul. Trata-se de John Mayall (75), considerado o pai do blues britânico, que virá acompanhado dos Bluebreakers.

O show será no Teatro do Sesi. Mayall deverá apresentar o repertório do seu último CD, In The Palace Of The King, além de clássicos de sua carreira. Os ingressos terão preço único de R$ 120. Nascido na Inglaterra em 29 de novembro de 1933, o cantor e músico sempre esteve cercado por blueseiros da melhor estirpe. Passaram pelos Bluesbreakers os astros John McVie (baixo), Mick Fleetwood (bateria) e Peter Green (guitarra), que, ao deixarem Mayall, montaram uma das bandas mais importantes do pop rock de todos os tempos, o Fleetwood Mac. Outros ex-integrantes célebres: Andy Fraser (depois do grupo Free), Jack Bruce (do Cream) Mick Taylor (posteriormente dos Rolling Stones) e Coco Montoya (hoje em produtiva carreira-solo).

Para falar de Mayall seria suficiente abordar sua sólida carreira musical, mas seu papel na música vai muito além disso. Foi ele quem "descobriu" um dos maiores guitarristas da história: ninguém menos do que Eric Clapton. O álbum Bluesbreakers With Eric Clapton, lançado em 1966, é considerado um dos mais importantes da história do blues por ter ajudado a aproximar novamente este gênero musical dos jovens. Foi nesse disco que Clapton fez suas primeiras grandes gravações como guitarrista de blues.

9 de maio de 2008

Os novos Mutantes na RS

Com reportagem de capa sobre Fernando Gabeira, a edição 20 da Rolling Stone chegou às bancas nesta semana. Além de entrevista com o referido político, a RS traz bastidores sobre os novos álbuns do Weezer, Moptop, Racionais MC’s e matéria especial com a Pitty.

Em destaque, texto sobre a nova empreitada dos Mutantes. Sem Zélia Duncan (bom) e Arnaldo Baptista (ruim), Sérgio Dias apresenta nova formação e lança a primeira música inédita depois de 30 anos, a pouco inspirada Mutantes Depois. Trecho do texto de Artur Tavares:

“Após tocarem ao vivo a música em uma das sacadas do Teatro Municipal de SP, com uma borboleta gigante de luz estampada na parede, Dias levou sua banda para uma breve coletiva de imprensa, na qual evitou, muitas vezes com visível nervosismo, falar da recente saída de seu irmão Arnaldo Baptista e da cantora Zélia Duncan do grupo (fim de 2007).

Sobre a nova formação da banda só fez elogios. Os Mutantes de hoje, em que somente ele e o baterista Dinho Leme são da formação original, contam com Bia Mendes (voz), Fábio Recco (voz), Vinícius Junqueira (baixo), Henrique Peters (teclado, flauta e voz), Vitor Trida (teclado, guitarra, violão, flauta e voz) e Simone Soul (percussão).”

8 de maio de 2008

Arquivo: O Rei e os imitadores

Dezembro de 2005, especial de fim de ano de Roberto Carlos na Globo. O vocalista do Jota Quest sobe ao palco para cantar “Além do Horizonte” ao lado de Sua Majestade. Ao se aproximar de Roberto, solta a frase infeliz: “e aí, Rei, vai encarar o rock and roll?” No primeiro instante, duvidei que estivesse realmente vendo aquela cena. Uma banda de pop de propaganda de refrigerante ganha as “paradas” com um antigo hit de Roberto Carlos e agora tem a ousadia de querer de apropriar do termo “rock”, ignorando que aquele senhor ao lado foi quem começou com tudo isso, há mais de 40 anos!

Quem realmente representa o rock and roll: o gel no cabelo de Rogério Flausino ou o precursor que chegou a sofrer represálias da sociedade conservadora dos anos 1960 por supostamente incitar os jovens à rebeldia? O sorriso desconcertado de Roberto ao ouvir Flausino disse tudo. Ele já está acostumado a lidar com imitadores.

Voltemos ao ano de 1968. O cantor Paulo Sérgio havia feito um sucesso enorme com a balada “A Última Canção”. Capixaba como o Rei, possuía um timbre de voz muito parecido. A pecha de imitador lhe acompanhou até a sua morte, em 1980. Por acaso ou não, seu maior sucesso é de autoria de um compositor chamado Carlos Roberto. Sem contar a semelhança com o hit “Nossa Canção”, de Roberto. O Rei queria mostrar que Paulo Sérgio (assim como outros cantores da época), por mais que fosse um intérprete talentoso, não chegava aos seus pés. O recado veio no título de um dos seus discos mais importantes: O Inimitável.
Mas a resposta não foi apenas no nome do álbum. Roberto Carlos lançou um verdadeiro divisor de águas na sua carreira. Enquanto os outros tentavam imitar o ídolo adolescente da Jovem Guarda, RC deixou de lado o iê-iê-iê para gravar um disco denso, perturbador, capaz de unir a infantilidade de “É meu, É meu, É meu” com a solidão de “Madrasta”. Somadas a canções eternas como “E não vou mais deixar você tão só”, “Se você pensa” e “As canções que você fez pra mim”, o Rei deixava de ser um rebelde sem causa para marcar seu nome definitivamente entre os grandes da música brasileira.

Acompanhado pelo RC 7 e por Renato e Seus Blue Caps, Roberto viaja pelo soul e começa a delinear o estilo que percorreria até 1972. Durante este período, os arranjos ficaram mais elaborados e as letras tornaram-se cada vez mais pessoais, tratando de temas como religião e família.

O processo de gravação de O Inimitável é cercado de curiosidades. Trata-se de um dos poucos discos de RC que possuem um título. Como as vendas ficaram abaixo do esperado, Roberto teria optado por não batizar os LPs seguintes, hábito mantido até 2000, quando lançou Amor Sem Limite. Outro fato curioso é a não identificação da banda de apoio no LP original. O nome dos músicos só foi aparecer no relançamento em CD, em 2004, mas ainda assim sem especificar a formação em cada música.

Como se vê, o clássico disco de 1968 é um exemplo de que não é de hoje que o Rei está acostumado a conviver com o oportunismo de artistas com menor categoria.

Texto publicado em 2006 no antigo Leitura Musical

7 de maio de 2008

Chão de Giz: a origem

Apaixonado por uma mulher casada e mais velha, um jovem de 21 anos tranca-se no seu quarto por três dias consecutivos, sem comer e sem falar com ninguém, acompanhado apenas do violão. Esse é o enredo de uma das letras mais emblemáticas da música nacional.

Em 1972, Zé Ramalho compôs Chão de Giz sob o efeito de um amor platônico arrebatador. O compositor, que era garoto de programa, conheceu uma socialite (“fotografias recortadas de jornal...”) casada com um grande empresário paraibano (“é inútil pois existe um grão-vizir...”). Ao deixar o seu pequeno exílio, Zé mostrou a canção ao amigo Alceu Valença e entrou para a história. Seguem alguns trechos:

"Eu desço dessa solidão, espalho coisas sobre um chão de giz” – Zé costumava espalhar pelo chão objetos que lembravam o relacionamento amoroso. O chão de giz indicaria a fugacidade dessa relação.

"Fotografias recortadas de jornais de folhas amiúde" – O compositor também recortava todas as fotos da amada publicadas nos jornais.

"Há tantas violetas velhas sem um colibri" – Aqui ele destaca a “sorte” dela (violeta velha) em ter um colibri e rejeita-lo.

"Queria usar quem sabe uma camisa-de-força ou de vênus" – Ao mesmo tempo em que quer usar uma camisa-de-força para se manter longe, queria usar uma camisa-de-vênus, para traçar a madame.

Outros versos, como “meus vinte anos de boy”, ou “pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar”, são auto-explicativos. Essa e outras interpretações estão detalhadas no site Análise de Letras.

6 de maio de 2008

Johnny Rivers em fase jazz

Johnny Rivers sempre foi condenado (injustamente?) por assassinar uma porção de clássicos do rock com suas regravações. Mas as performances mais recentes mostram que sua principal característica, a voz marcante e cheia de melodia, continua – senão a mesma – muito parecida com o que o intérprete fez nos anos 60. Prova disso foi sua apresentação no Programa da Hebe, ontem à noite (Err...não que eu tenha visto, apenas ouvi falar...).

Quem não conhece, terá uma boa oportunidade para descobrir a música de Rivers. No dia 12 de maio, o cantor americano se apresenta em Porto Alegre, no Teatro do Sesi. No set list, ele promete ir além de clássicos como Do You Wanna Dance, Sunny e Baby I Need Your Lovin’. Rivers também pretende apresentar músicas de sua fase jazz (?). “Sou um grande fã de jazz. Gosto de ir aos clubes e ouvir os músicos de jazz. Se escuto algum que gosto muito, o convido para participar do meu álbum, vamos ao meu estúdio e trabalhamos. Está sendo um projeto muito legal para mim”, revelou à Reuters.

“Vou tocar umas duas novas do meu novo CD que estou trabalhando no momento e, claro, os velhos hits. Vou tocar também aquelas que foram grandes sucessos só aí no Brasil", disse Rivers, referindo-se a It’s Too Late e Do You Wanna Dance. A turnê marca o retorno aos palcos brasileiros após dez anos. Os ingressos em Porto Alegre estão a venda por R$ 150 (mezanino) e R$ 200 (platéia).

3 de maio de 2008

"Gringo burro!"

A aparente harmonia entre João Gilberto e Stan Getz no disco Getz/Gilberto (1964) esteve restrita à musicalidade de ambos. Na última edição da revista Brasileiros, reportagem escrita por Ruy Castro revela o que João achava do sax tenor americano, com quem gravou aquele que é considerado o maior disco de bossa nova de todos os tempos:

"De relax, a gravação de Getz/Gilberto teve pouco ou nada. João Gilberto não se satisfazia com a emissão de Getz, que achava muito enfática para a bossa nova. Por isso, a todo instante interrompia a gravação, para obrigá-lo a começar de novo. Getz não entendia e João dizia entre dentes para (Tom) Jobim, como que mastigasse as sílabas:

'Tom, diga a ese gringo que ele é muito burro.' O americano perguntava a Tom o que João dissera, e Tom botava panos quentes: 'Ele está dizendo que é uma honra gravar com você.' 'Engraçado', resmungava Getz, 'pelo tom de voz não parece ser isso que ele disse.'" (pg. 57)


Veja o clip de Corcovado, do álbum Getz/Gilberto, cantada por Astrud Gilberto:

2 de maio de 2008

E aquele disco dos Mutantes...

Alagoas nao é apenas o estado de Fernando Collor, Renan Calheiros e Heloísa Helena. Fui descobrir isso depois de ouvir o CD de estréia do Mopho. E que estréia! Tanto que aprendi a ter mais apreço por este desconhecido estado. Desde a Sétima Efervescência (1995), do gaúcho Jupiter Maçã, o rock nacional não havia percorrido com tanta precisão os caminhos tortuosos da psicodelia.

A referência aos ídolos sessentistas não está apenas na sonoridade e na capa do disco (que remete a 1967), mas é nominal. Os Mutantes são citados na faixa de abertura. Com uma introdução de teclado, como o Laffayette da Jovem Guarda, Nada Vai Mudar é daquelas músicas que não saem da cabeça de quem ouviu uma única vez. O disco segue com a irreverência de A Geladeira (mera semelhança com Meu Refrigerador Não Funciona, de Arnaldo, Rita e Serginho?). Não Mande Flores, com maior potencial para hit, é Beatles puro. O andamento lembra Don't Let Me Down e a letra resgata a tríade sexo, drogas e rock and roll. No século XXI, originalidade não é sinônimo de boa música. O disco do Mopho é. E estamos falando só das três primeiras faixas.


Na segunda metade do CD, os alagoanos revelam a sua poesia beatnik na ultra-psicodélica Uma Leitura Mineral Incrível - que aparece novamente em versão acústica no final do disco. "Peixes hidráulicos", ratos que são cristais numa prateleira, sapatos e máscaras misturam-se num mosaico guiado por João Paulo, Júnior Bocão, Hélio Pisca e Leonardo. A viagem passa pela melosa A Carta, momento mais sentimental do Mopho, e encerra com o riff potente de Vamos Curtir um Barato, cheia de insinuações ("eu tenho milhares de dedos e olhos brilhantes").

Editado pelo lendário Luiz Calanca e sua Baratos Afins, o CD homônimo do Mopho está longe da perfeição em termos de produção. Ao longo da história, foi este ingrediente, o low fi, que deu o toque final aos grandes clássicos do rock. Neste caso não foi diferente.

Em pleno ano 2000, o Mopho age, tanto no estúdio como no palco, como se estivesse na Califórnia da virada da década de 1960. Sorte nossa.

1 de maio de 2008

Oh, meu Brazil

Produzir música brasileira para exportação sempre foi um dilema. Os mais puristas torcem o nariz quando escutam o inglês cheio de sotaque de um baiano ou de um carioca. Curiosamente, os brasileiros que mais despertam a atenção dos gringos pouco tem a ver com a cultura musical brasileira, como é o caso de Bonde do Rolê, DJ Dolores e Cansei de Ser Sexy.

Por outro lado, o mesmo Caetano que hoje se recusa a dizer as iniciais MTV em inglês já tentou fazer carreira (embora forçadamente) na terra de Shakespeare. Sucesso não houve, mas foi do seu exílio em Londres que nasceram algumas pérolas em inglês. O disco Transa, de 1971, é o maior exemplo. Gilberto Gil e, posteriormente, Raul Seixas, também seguiram o mesmo caminho. Mas nos doidos anos 70 o único cantor brasileiro que interessava aos gringos era um tal Maurício Alberto, que pelas exigências do mercado internacional virou Morris Albert.

Ao gravar Tecnicolor, em novembro de 1970, durante sua segunda visita à França, os Mutantes não mudaram de nome. Nem precisava. Nunca uma banda nacional esteve tão sintonizada com a cultura de fora sem deixar de ser essencialmente brasileira. Porém, essa irreverência não interessou ao mercado internacional na época. A efervescência psicodélica da década de 1960 e o espírito Woodstock haviam ficado para trás. O rock abria espaço para os músicos de conservatório que mais tarde viriam a criar o rock progressivo (que no Brasil teve como principal expoente os próprios Mutantes, após 1972). Enfim, a música dos Mutantes parecia ensolarada demais para os europeus e a Polydor britânica engavetou Tecnicolor após reprovar o excesso de idiomas do disco. Carlos Callado, biógrafo da banda, descobriu as gravações em 1995, mas só em 1999 o produtor Marcelo Fróes conseguiu convencer a gravadora a lançar o disco. Com ilustrações de Sean Lennon, Tecnicolor é cantado em inglês, francês, espanhol e português, mas é uma típica representação do experimentalismo brasileiro promovido pelo tropicalismo. A variedade rítmica, no entanto, não teria sido tão espontânea como se pensa. O produtor Carl Holmes pressionou Rita, Arnaldo e Serginho a fazer um som “mais brasileiro”, aproximando o rock de gêneros como o samba, a bossa-nova e o baião.

Não seria nenhuma missão impossível para os Mutantes, já que eles haviam gravado o samba-rock A Minha Menina, de Jorge Ben, que em Tecnicolor virou a vibrante She’s My Shoo Shoo. E existe regionalismo maior do que Adeus, Maria Fulô (Sivuca/Humberto Teixeira), baião gravado em português com direito aos tradicionais triângulos? Se a questão era inovar, os Mutantes pegaram Baby, de Caetano, clássico da tropicália, traduziram para o inglês e transformaram em...bossa-nova! Mas com uma sonoridade tão pop que parece ter sido gravada por uma destas bandas de “neo-bossa”. Não é de estranhar que a versão tenha ido parar até em trilha sonora de novela global.

I Feel a Little Spaced Out (versão de Ando Meio Desligado) faz a ótima Time of the Season, dos Zombies – cuja linha de baixo inspirou os Mutantes –, parecer uma cantiga de ninar. Tem até um “oh, meu Brazil (com z?)” no final. As traduções seguem em Panis et Circenses, Virginia, I’m Sorry Baby (Desculpe, Babe) e Saravah. Tecnicolor, Le Premier Bonheur du Jour e El Justiciero completam a obra-prima que teve de esperar 30 anos para ganhar vida. Se fosse gravado três anos antes, talvez a história fosse outra.