1 de maio de 2008

Oh, meu Brazil

Produzir música brasileira para exportação sempre foi um dilema. Os mais puristas torcem o nariz quando escutam o inglês cheio de sotaque de um baiano ou de um carioca. Curiosamente, os brasileiros que mais despertam a atenção dos gringos pouco tem a ver com a cultura musical brasileira, como é o caso de Bonde do Rolê, DJ Dolores e Cansei de Ser Sexy.

Por outro lado, o mesmo Caetano que hoje se recusa a dizer as iniciais MTV em inglês já tentou fazer carreira (embora forçadamente) na terra de Shakespeare. Sucesso não houve, mas foi do seu exílio em Londres que nasceram algumas pérolas em inglês. O disco Transa, de 1971, é o maior exemplo. Gilberto Gil e, posteriormente, Raul Seixas, também seguiram o mesmo caminho. Mas nos doidos anos 70 o único cantor brasileiro que interessava aos gringos era um tal Maurício Alberto, que pelas exigências do mercado internacional virou Morris Albert.

Ao gravar Tecnicolor, em novembro de 1970, durante sua segunda visita à França, os Mutantes não mudaram de nome. Nem precisava. Nunca uma banda nacional esteve tão sintonizada com a cultura de fora sem deixar de ser essencialmente brasileira. Porém, essa irreverência não interessou ao mercado internacional na época. A efervescência psicodélica da década de 1960 e o espírito Woodstock haviam ficado para trás. O rock abria espaço para os músicos de conservatório que mais tarde viriam a criar o rock progressivo (que no Brasil teve como principal expoente os próprios Mutantes, após 1972). Enfim, a música dos Mutantes parecia ensolarada demais para os europeus e a Polydor britânica engavetou Tecnicolor após reprovar o excesso de idiomas do disco. Carlos Callado, biógrafo da banda, descobriu as gravações em 1995, mas só em 1999 o produtor Marcelo Fróes conseguiu convencer a gravadora a lançar o disco. Com ilustrações de Sean Lennon, Tecnicolor é cantado em inglês, francês, espanhol e português, mas é uma típica representação do experimentalismo brasileiro promovido pelo tropicalismo. A variedade rítmica, no entanto, não teria sido tão espontânea como se pensa. O produtor Carl Holmes pressionou Rita, Arnaldo e Serginho a fazer um som “mais brasileiro”, aproximando o rock de gêneros como o samba, a bossa-nova e o baião.

Não seria nenhuma missão impossível para os Mutantes, já que eles haviam gravado o samba-rock A Minha Menina, de Jorge Ben, que em Tecnicolor virou a vibrante She’s My Shoo Shoo. E existe regionalismo maior do que Adeus, Maria Fulô (Sivuca/Humberto Teixeira), baião gravado em português com direito aos tradicionais triângulos? Se a questão era inovar, os Mutantes pegaram Baby, de Caetano, clássico da tropicália, traduziram para o inglês e transformaram em...bossa-nova! Mas com uma sonoridade tão pop que parece ter sido gravada por uma destas bandas de “neo-bossa”. Não é de estranhar que a versão tenha ido parar até em trilha sonora de novela global.

I Feel a Little Spaced Out (versão de Ando Meio Desligado) faz a ótima Time of the Season, dos Zombies – cuja linha de baixo inspirou os Mutantes –, parecer uma cantiga de ninar. Tem até um “oh, meu Brazil (com z?)” no final. As traduções seguem em Panis et Circenses, Virginia, I’m Sorry Baby (Desculpe, Babe) e Saravah. Tecnicolor, Le Premier Bonheur du Jour e El Justiciero completam a obra-prima que teve de esperar 30 anos para ganhar vida. Se fosse gravado três anos antes, talvez a história fosse outra.

Nenhum comentário: