15 de março de 2010

Música de programa


O blog e o livro de Bruna Surfistinha disseminaram a literatura das prostitutas, embora a prostituição da literatura já tenha sido iniciada há muitos anos. Na música, porém, o espaço ocupado pelas prostitutas precede a vulgarização da arte. Muito antes da Surfistinha ir à luta, Zé Ramalho e Tom Waits já cantavam as agruras de ganhar dinheiro fácil e da vida dura (sem trocadilhos) de quem vende o próprio corpo. Para outros, os cabarés eram apenas diversão, como para Bob Dylan no clássico álbum Highway 61 Revisited. Há ainda aqueles que foram pela primeira vez no bordel, apaixonaram-se, e tentaram a todo custo dar uma nova vida à moça.

Quê importa que seja apenas um simulacro do amor? O importante é que nossos ídolos se lembraram de registrar essas experiências (nem sempre bem sucedidas) em forma de canção.

Juts Like Tom Thumb’s Blues, Bob Dylan – E tudo começa com o mestre. Presente em Highway 61 Revisited, um dos melhores álbuns da história, essa música não é das mais conhecidas, embora seja a preferida de muitos fãs (incluindo o autor deste blog). Dylan apresenta suas garotas com mais precisão do que um catálogo de modelos. E dá uma grande dica para quem, casualmente, encontrar-se perdido na Páscoa de Juarez: “Não se faça de arrogante quando estiver na Rue Morgue Avenue, eles têm mulheres famintas lá e elas farão um estrago com você”.

Roxanne, The Police – Talvez a prostituta mais famosa da música pop. Esse é um dos maiores hits de Sting e companhia. “Eu te amei desde que conheci você (...), eu não dividirei você com outro garoto.” Pobre Sting...

Garoto de Aluguel, Zé Ramalho – Aqui, quem canta é quem vende o corpo. Ou melhor, empresta, como ela(e)s gostam de dizer (e por pouco tempo). Missão fácil para Zé Ramalho, que ao chegar do Norte com uma mão na frente e outra atrás, teve de se virar (e não é no bom sentido) como pôde na cidade grande.

I’m Your Late Night Evening Prostitute, Tom Waits – Mais um que tentou mostrar o outro lado da história. Nessa balada melancólica, o bardo é direto e sem meias palavras: “Tive que estar aqui às 8 e vou ficar até às 2, tentarei o meu melhor para entreter você”.

When the Sun Goes Down, Arctic Monkeys – Destaque de um disco surpreendente, essa foi a melhor canção do ano passado. O tema pode até estar manjado em pleno ano de 2006, quando programas são agendados pela internet e sites exibem “test drives” das garotas. Mas os ingleses que são a sensação do momento o fizeram de forma tão displicente que fica impossível não se apaixonar pela música.

Vou Tirar Você Desse Lugar, Odair José – Clássico absoluto. Conta a velha história do homem que se apaixona por uma garota de programa e tenta convencê-la a mudar de vida, embora saiba que o passado pode estar sempre por perto. Somente Odair José poderia abordar a questão com tanta sensibilidade. Foi regravada por Paulo Miklos e Los Hermanos.

Damas da Noite, Wander Wildner – O punk brega traça um perfil não muito glamouroso da noite porto-alegrense, tendo como base a avenida Oswaldo Aranha, reduto de prostitutas, travestis e mau elementos. “Eu vejo mulheres, na chuva da noite, entregando seus corpos pra qualquer um, a velhos e gordos mais podres que a noite.” Uma homenagem sincera às mulheres que admiramos.