8 de maio de 2008

Arquivo: O Rei e os imitadores

Dezembro de 2005, especial de fim de ano de Roberto Carlos na Globo. O vocalista do Jota Quest sobe ao palco para cantar “Além do Horizonte” ao lado de Sua Majestade. Ao se aproximar de Roberto, solta a frase infeliz: “e aí, Rei, vai encarar o rock and roll?” No primeiro instante, duvidei que estivesse realmente vendo aquela cena. Uma banda de pop de propaganda de refrigerante ganha as “paradas” com um antigo hit de Roberto Carlos e agora tem a ousadia de querer de apropriar do termo “rock”, ignorando que aquele senhor ao lado foi quem começou com tudo isso, há mais de 40 anos!

Quem realmente representa o rock and roll: o gel no cabelo de Rogério Flausino ou o precursor que chegou a sofrer represálias da sociedade conservadora dos anos 1960 por supostamente incitar os jovens à rebeldia? O sorriso desconcertado de Roberto ao ouvir Flausino disse tudo. Ele já está acostumado a lidar com imitadores.

Voltemos ao ano de 1968. O cantor Paulo Sérgio havia feito um sucesso enorme com a balada “A Última Canção”. Capixaba como o Rei, possuía um timbre de voz muito parecido. A pecha de imitador lhe acompanhou até a sua morte, em 1980. Por acaso ou não, seu maior sucesso é de autoria de um compositor chamado Carlos Roberto. Sem contar a semelhança com o hit “Nossa Canção”, de Roberto. O Rei queria mostrar que Paulo Sérgio (assim como outros cantores da época), por mais que fosse um intérprete talentoso, não chegava aos seus pés. O recado veio no título de um dos seus discos mais importantes: O Inimitável.
Mas a resposta não foi apenas no nome do álbum. Roberto Carlos lançou um verdadeiro divisor de águas na sua carreira. Enquanto os outros tentavam imitar o ídolo adolescente da Jovem Guarda, RC deixou de lado o iê-iê-iê para gravar um disco denso, perturbador, capaz de unir a infantilidade de “É meu, É meu, É meu” com a solidão de “Madrasta”. Somadas a canções eternas como “E não vou mais deixar você tão só”, “Se você pensa” e “As canções que você fez pra mim”, o Rei deixava de ser um rebelde sem causa para marcar seu nome definitivamente entre os grandes da música brasileira.

Acompanhado pelo RC 7 e por Renato e Seus Blue Caps, Roberto viaja pelo soul e começa a delinear o estilo que percorreria até 1972. Durante este período, os arranjos ficaram mais elaborados e as letras tornaram-se cada vez mais pessoais, tratando de temas como religião e família.

O processo de gravação de O Inimitável é cercado de curiosidades. Trata-se de um dos poucos discos de RC que possuem um título. Como as vendas ficaram abaixo do esperado, Roberto teria optado por não batizar os LPs seguintes, hábito mantido até 2000, quando lançou Amor Sem Limite. Outro fato curioso é a não identificação da banda de apoio no LP original. O nome dos músicos só foi aparecer no relançamento em CD, em 2004, mas ainda assim sem especificar a formação em cada música.

Como se vê, o clássico disco de 1968 é um exemplo de que não é de hoje que o Rei está acostumado a conviver com o oportunismo de artistas com menor categoria.

Texto publicado em 2006 no antigo Leitura Musical

Um comentário:

Robert Moura disse...

Grande clássico do Rei esse disco e quanto a cena do Flausino, eu fico envergonhado por ele.