31 de agosto de 2008

Pedras rolando na sua TV

Pense em um gênio do cinema contemporâneo e na maior banda de rock do mundo. Agora imagine a sua sala como o palco de um mega show. Para quem não foi ao cinema ou não conseguiu baixar o filme, a espera acabou. Chegou às lojas na semana passada o DVD Shine a Light, que traz os Rolling Stones em plena forma (embora sexagenários) dirigidos pelo mestre Martin Scorsese.

A gravação registra a turnê do álbum A Bigger Bang (2006). Mas, felizmente, o repertório foi baseado na fase de maior criatividade da carreira – em especial o disco Exile on Main Street (1972), o melhor de todos. Petardos como Tumbling Dice e Loving Cup – essa última com participação de Jack White (Raconteurs e White Stripes) – explicam porque Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts permanecem no topo depois de 40 anos de estrada. O lado ruim da história é a ausência de faixas bônus na versão brasileira do DVD. Mas não há motivo para pânico, pois como diz Scorsese, “isto é rock and roll, não fique nervoso por nada”.

Loving Cup (com Jack White)

20 de agosto de 2008

Despedida duvidosa

O mundo da música já viu tantos retornos improváveis que fica difícil crer no fim do The Police. Na última sexta-feira, o trio inglês fez o seu último show para uma multidão no Hyde Park, em Londres. Queen, Doors, Stooges e Mutantes são exemplos de gigantes do rock que voltaram após longo período de hibernação criativa. E, se a performance dos velhinhos não trouxe nada de novo para o cenário musical, pelo menos contribuiu para apresentar o som às novas gerações. Além de encher os bolsos, claro. O Sex Pistols, em 1995, chamou a sua turnê de reunião de Lucro Fácil.

Mas o oportunismo não combina com o The Police. Sting (vocal e baixo), Andy Summers (guitarra) e Stewart Copeland (bateria) pensam que já cumpriram a sua missão. Foram duas reuniões oficiais: uma frustrada, em 1986, e outra em 2007. Na última, teve até apresentação no Rio de Janeiro, no final do ano passado. Em 30 anos de atividade, o trio conquistou gerações com a síntese perfeita entre reggae, new wave e pop. Um caso raro de banda que, com apenas cinco álbuns de estúdio, escreveu seu nome na história do rock.

15 de agosto de 2008

Tributo a um clássico

Poucos discos estão cercados de tantas histórias como o álbum branco, famoso disco duplo dos Beatles lançado em 1968. As lendas, algumas verídicas e outras não, envolvem, as brigas entre os integrantes e até indícios da “morte” de Paul McCartney, cogitada por alguns fãs desde Sgt Peppers (1967). O baterista Ringo Starr, por exemplo, abandonou o grupo, que teve de substituí-lo em algumas faixas. Eric Clapton e Yoko Ono aparecem em participações especiais. O americano Charles Manson, por sua vez, baseou-se em algumas das canções para justificar uma série de assassinatos.

No ano em que completa 40 anos, o clássico da capa branca recebe as devidas homenagens. Um disco tributo, cuja idéia nasceu de discussões em comunidades do Orkut, será lançado no Brasil. As trinta faixas foram gravadas por nomes como Zé Ramalho, Cachorro Grande, Andréas Kisser e Pato Fu. O CD duplo chega ao mercado no final de agosto e é apenas o primeiro de uma trilogia que será lançada até novembro, mês de lançamento do álbum branco original. E o melhor: segundo o pesquisador musical Marcelo Fróes, que coordena a iniciativa, a intenção é disponibilizar o material na internet.

5 de agosto de 2008

Dica: filho obscuro do gênio

O gosto pela música do Tom Zé nasceu com uma reedição do disco de estréia, o álbum de 1968, que ganhei no natal de não sei qual ano. A curiosidade, no entanto, sempre foi grande com relação ao famoso disco que trazia um ânus na capa (pelo menos era o que eu pensava), em formato de olho. Decidi então ir atrás do tal disco, Todos os Olhos, lançado em 1973. Encontrei-o numa reedição “dois em um” junto com um outro disco do qual eu não tinha ouvido falar, e por isso não tinha grandes expectativas. Mal sabia que estava subestimando uma grande obra.

Antes de inventar instrumentos e entrar de cara no experimentalismo, Tom Zé compôs sambas belíssimos ao violão. A romântica Happy End, que abre o disco, é um deleite. É prima-irmã de Se o Caso é Chorar, no mesmo estilo, um formato mais rústico (mas não menos empolgante) para quem está acostumado com as esquisitices inventivas do baiano. Ambas as músicas parecem lembrar um samba antigo, daqueles que talvez o artista ouvia ainda quando criança, na cidade de Irará, interior da Bahia. Até a letra remete à fossa dos cantores de antigamente. “Vestir toda minha dor no seu traje mais azul, restando aos meus olhos o dilema de rir ou chorar”, canta ele em Se o Caso é Chorar. Esta última, aliás, acabou virando a faixa-título quando o álbum foi rebatizado, em 1984, após ter sido relançado em LP.

Não quer dizer que, fazendo samba de raiz, Tom Zé tenha se furtado de inventar. No mesmo disco, o artista dá uma pista sobre a variedade rítmica e principalmente o experimentalismo que viria a permear sua obra até hoje. Dor e Dor e A Briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel fazem parte deste time, quando a fossa dá lugar ao humor e à irreverência, como não poderia deixar de ser. Mas aí vem Senhor Cidadão, a sexta faixa, para confundir a cabeça do ouvinte. Citando versos desconexos do poema Cidade, de Augusto dos Anjos, Tom Zé diz coisas como: “senhor cidadão, eu e você temos coisas até parecidas, por exemplo nossos dentes, da mesma cor do mesmo barro, enquanto os meus guardam sorrisos, os teus não sabem senão morder”. E cada verso é repetido desordenadamente por um coral, como num transe. Ou numa procissão.

Terceiro disco da carreira do baiano, Se o Caso é Chorar está longe do tropicalismo da ensolarada estréia, repleta de marchinhas com referências psicodélicas. Também está longe (vá lá...) de outra obra-prima, o álbum Estudando o Samba, de 1976, cultuadíssimo no exterior. Mesmo não estando em nenhuma “lista de melhores”, Se o Caso é Chorar é um grande disco.

2 de agosto de 2008

Repetitivo como nunca

Quando XTRMNTR foi lançado, em 2000, o Primal Scream voltou a ocupar as listas de melhores do ano após um longo jejum. Meses depois, a mídia especializada considerava o disco datado e ultrapassado. No seu mais recente trabalho, Beautiful Future, Bobby Gillespie e companhia parecem ter levado a sério a idéia de soar repetitivo. Lançado na semana passada, o álbum copia fórmulas já esgotadas e chateia os fãs, ansiosos pelo groove que deu fama aos escoceses.

A coisa começa morna com Beautiful Future, esquenta em Can’t Go Back (o primeiro single), mas logo Uptown, cuja única palavra é o título, repetido à exaustão, põe tudo a perder. The Glory of Love lembra The Cure, mas também não empolga. Beautiful Summer comprova uma tendência do álbum, a de abusar da repetição. O groove de Zombie Man é a primeira lembrança do Primal Scream dos velhos tempos. A baladinha Over and Over mostra outro lampejo de inspiração da banda que nos anos 90 juntou rave e Rolling Stones no mesmo pacote. Necro Hex Blues remete (finalmente) aos melhores momentos de XTRMNTR (com participação de Josh Homme, do Queens of the Stone Age). Mas já é tarde.

O resultado final chega próximo ao razoável, muito pouco para uma banda que tem no currículo discos como Screamadelica (1991) e Give Out But Don’t Give Up (1994). Nem o toque brasileiro salva o álbum. Lovefoxxx, vocalista do Cansei de Ser Sexy, divide os vocais com Gillespie na pouco inspirada I Love to Hurt (You Love to Be Hurt). Mesmo os fãs mais ardorosos devem concordar que a carreira do Primal Scream é irregular. Mas, tivesse seguido o caminho do seu antecessor, Rock City Blues (2006) poderia pelo menos soar mais pop.

Entre as críticas que já circulam na rede desde o lançamento, há quem considere este o pior momento da discografia do Primal Scream. O próprio Gillespie, 46 anos, parece conformado. O mentor da banda classificou Beautiful Future como um “chiclete com lâminas de barbear”. Portanto, convém mastigar com cuidado.

1 de agosto de 2008

So Sad About Us

“Desculpas não valem nada quando o estrago está feito”, diz uma antiga música do The Who (So Sad About Us). O verso se aplica à fase atual da banda, em vias de ser dissolvida. A convivência entre o vocalista Roger Daltrey e o guitarrista Pete Townshend, que garantem nunca ter sido grandes amigos, tornou-se insustentável nos últimos anos. Prova disso é uma declaração recente de Pete: “Já não sou membro de uma banda chamada The Who. Sou o Pete Townshend e costumava estar numa banda chamada The Who, que hoje só existe nos vossos sonhos”.

Uma pena. Com Endless Wire (2006), último álbum de estúdio, Daltrey e Townshend deram uma mostra rara de talento e criatividade de astros em fim de carreira. Afinal, a maioria dos seus contemporâneos contenta-se em reviver o passado e colher os louros de outrora. O grupo inglês, surgido nos anos 1960, atravessou décadas fazendo rock no melhor estilo mod (subcultura londrina, derivada de modernismo) e influenciando bandas mundo afora. Ira! e Cachorro Grande, por exemplo, não existiriam sem eles. Mesmo que negue, os dois desafetos escreveram seu nome na história em petardos como We Won’t Get Fooled Again, My Generation e Baba O’Riley.